terça-feira, 24 de novembro de 2009

Cidade das Convenções



Victor Rafael Limeira da Silva*


Sempre ouvimos falar desde que somos pequenos que existem no mundo pessoas que devem ser consideradas como "heróis", por um motivo ou outro esses indivíduos entram para o ranking dos imortais da história. Isso é comum no Brasil, há pouco tempo ainda nas escolas encontrávamos um verdadeiro "culto" a políticos como Dom Pedro I, Deodoro da Fonseca, Tiradentes, dentre outros; aliás, voltando atrás, ainda hoje encontramos professores e outros profissionais que continuam implantando na cabeça das crianças a história dos "grandes homens".
Tenho uma notícia especial para todos: tudo isso é uma mera construção histórica, o Brasil por ter sido colônia de Portugal e ter tido uma "independência" forjada, um verdadeiro acordo entre as elites fluminenses e portuguesas, necessitou criar o seu panteão de heróis, como é comum em qualquer Estado-Nação. Sendo assim, pessoas que muitas vezes "caíram de para-quedas" em eventos históricos e, às vezes não contribuíram em quase nada recebem essas titulações de honra, Tiradentes é o exemplo máximo disso, inúmeros historiadores já realizaram pesquisas e demonstraram para todos os efeitos que Joaquim José da Silva Xavier nada mais foi que um simples guarda tomado pela coroa de D. Maria, "a louca", como bode expiatório para punir o movimento dos inconfidentes.
Fiz essa pequena digreção para poder entrar na minha análise propriamente dita; minha reflexão toma como ponto referencial a cidade de Olivedos, interior paraibano, a cidade oficialmente só passou a figurar nos mapas da Paraíba como um município autônomo apenas a partir de 1961, no grande projeto de criação de cidades do governo brasileiro. Olivedos pode nos ajudar a pensar um pouco sobre os fatores que anteriormente citei.
A cidade que é muito pequena, fator que permite um maior controle social por parte dos que detém o poder, recebeu esse nome, segundo a história oral do lugar, em homenagem ao sertanista português, judeu e "cristão-novo": o famigerado Teodózio de Oliveira Lêdo; quem foi este homem? Ele foi um dos membros de um projeto da coroa portuguesa chamado de "limpeza do terreno", que na época colonial consistia no extermínio total dos nativos indígenas para a facilitação do processo de apossamento da terra.
Alguns historiadores dedicam seus estudos à saga e às repercussões de Teodózio Lêdo, dentre estes está Eliete Gurjão, uma das maiores autoridades no tema aqui em nosso estado. A reunião de documentos históricos, portanto "confiáveis", demonstra sobre o sertanista uma vida macabra. Para não termos que relatar em detalhes tão horrendos acontecimentos apenas me limitarei a informar que a "sede de sangue" indígena do personagem em questão era incontrolável, ele chegava à atitudes quase que impensáveis em nossos dias, com requintes de crueldade amolava sua espada já embebida em uma enorme quantidade de sangue na cabeça dos pequenos curumins. Suas atitudes genocidas chegaram a tanto que o próprio rei de Portugal enviou-lhe correspondência exigindo a redução do sangue que na hipérbole de Eliete Queirós Gurjão estava "respingando na Europa”.
Mas, o mais incrível não são essas cenas de filme de terror que estou narrando e sim outra coisa mais importante: incrivelmente a cidade de Olivedos homenageia com seu nome este, que sem pena dizimou nossos antepassados, os verdadeiros "donos da terra". Isso é fruto de um processo político de "cima para baixo", ou como diria José Murilo de Carvalho: um processo político em que o povo é composto por verdadeiros "bestializados". Mais absurdo ainda é que o hino da cidade orgulhosamente diz que esta "é de Oliveira Lêdo".
Para quem conhece bem Olivedos isso não parece muita novidade já que é comum, por exemplo, os vereadores se reunirem na câmara municipal sem a presença de nenhum cidadão, aprovarem leis municipais sem o conhecimento do povo, muito mais por culpa da população ou criar nomes de ruas em homenagem à pessoas que quando vivas eram arruaceiros de rua, mas, que após morrerem tornaram-se anjinhos e merecem uma placa ou um largo com seu nome. Essa é a mesma cidade que despreza as verdadeiras pessoas que contribuíram com a história desse povo como os artistas, os poetas, as famílias hospitaleiras, as pessoas que zelaram com amor pela capela da cidade ou os que durante esses tantos anos de história tiveram que ir embora para terem seus talentos reconhecidos, pois em Olivedos quem merece honra são apenas os "forasteiros", como eles dizem "os de fora".
Com esse pequeno texto, um desabafo pessoal, gostaria de fazer um apelo aos educadores da cidade em especial; aos educados e aos cidadãos em geral: que não se tornem passivos, receptivos de ideias que não condizem com nossa cultura ou nossa história; não tenho a pretensiosa intenção de querer mudar o nome da cidade, "pois leite derramado é leite derramado", mas sim, quero que todos tomem consciência dos fatos históricos e não propagem mais essas ideias errôneas que foram implantadas em nosso meio. Para não mais sermos contados entre o número daqueles que aceitam de bom grado qualquer "convenção" imposta, ou seja, para não sermos mais contados ente o número daqueles que Murilo de Carvalho classifica de "bestializados".



* Acadêmico de História pela Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e cursista de educação digital do Proinfo - Olivedos.

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